22 de jul. de 2021

O comunista do Café Rian - VIII


Na verdade mudar bruscamente de assunto, era a coisa mais comum naqueles tempos.

Tudo era motivo para desconfianças, um olhar direto, um jornal embaixo do braço, um sapato muito bem engraxado, uma gravata preta ou vermelha, nada escapava do olhar aguçado de um dos amigos de meu tio. Seu nome, Nilo. Era um colega de repartição. Tinha os olhos esbugalhados, bigodes bem fininhos, cabelos lambidos e grudados com brilhantina. Nunca havia visto pessoa tão desconfiada... 

Uma certa manhã ele me chamou de lado para dizer que ficasse atento aos engraxates da rua da Praia, pois eles andavam com os dedos engraxados só para sujar a camisa branca das pessoas desavisadas que não aceitavam seus serviços:

_Fica de olho guri!!! Esses malandros são tudo comunista!!!

Eu não via malandragem naqueles piás, praticamente todos guris da minha idade ou menos, que estavam ali na rua trabalhando, limpando os sapatos de todo mundo, renovando a aparência dos calçados dos que só tinham dinheiro  para pagar por meias-solas no sapateiro da esquina e, "olhe lá"! 

"Malandros"? Comunistas? Eu nem sabia o quê era isto???

Mas Nilo era desconfiado demais. Enquanto eu e meu tio observávamos as "donas boas" que desfilavam suas belezas sob a brisa suave que vinha do Guaíba, ele ficava observando as pessoas com extrema desfaçatez, pelo reflexo das vitrines...

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